Do livro "O eu e o inconsciente"
"Individuação significa tornar-se um ser único, na medida em que por "individualidade" entendermos nossa singularidade mais íntima, última e incomparável, significando também que nos tornamos o nosso próprio si-mesmo. Podemos, pois, traduzir "individuação" como "tornar-se si-mesmo" (Verselbstung) ou "o realizar-se do si-mesmo" (Selbstverwirklichung)."
"Não se distingue corretamente individualismo de individuação. Individualismo significa acentuar e dar ênfase deliberada a supostas peculiaridades, em oposição a considerações e obrigações coletivas. A individuação, no entanto, significa precisamente a realização melhor e mais completa das qualidades coletivas do ser humano; é a consideração adequada e não o esquecimento das peculiaridades individuais, o fator determinante de um melhor rendimento social. A singularidade de um indivíduo não deve ser compreendida como uma estranheza de sua substância ou de suas componentes, mas sim como uma combinação única, ou como uma diferenciação gradual de funções e faculdades que em si mesma são universais."
"A meta da individuação não é outra senão a de despojar o si-mesmo dos invólucros falsos da persona, assim como do poder sugestivo das imagens primordiais (...)Através da persona o homem quer parecer isto ou aquilo, ou então se esconde atrás de uma "máscara", ou até mesmo constrói uma persona definida, a modo de muralha protetora. Assim, pois, o problema da persona não apresenta grandes dificuldades intelectuais."
"O inconsciente nunca está em repouso. Sua atividade parece ser contínua, pois mesmo quando dormimos sonhamos (...) É raro passar um dia sem que cometamos algum erro ao falar, sem que desapareça da nossa memória algo de que antes nos lembrávamos ou sem que nos subjugue um estado de ânimo, cuja origem desconhecemos, etc."
"Os processos inconscientes compensadores do eu consciente contêm todos os elementos necessários para a auto-regulação da psique como um todo. No nível pessoal, tais processos inconscientes são constituídos por motivos pessoais que a consciência não reconhece, mas que afloram nos sonhos, ou são significados de situações cotidianas negligenciadas, de afetos que não nos permitimos e críticas a que nos furtamos. Entretanto, quanto mais conscientes nos tornamos de nós mesmos através do autoconhecimento, atuando conseqüentemente, tanto mais se reduzirá a camada do inconsciente pessoal que recobre o inconsciente coletivo. Desta forma, vai emergindo uma consciência livre do mundo mesquinho, susceptível e pessoal do eu, aberta para a livre participação de um mundo mais amplo de interessas objetivos. Essa consciência ampliada não é mais aquele novelo egoísta de desejos, temores, esperanças e ambições de caráter pessoal, que sempre deve ser compensado ou corrigido por contratendências inconscientes; tornar-se-á uma função de relação com o mundo de objetos, colocando o indivíduo numa comunhão incondicional, obrigatória e indissolúvel com o mundo."
"Provavelmente estamos muito longe ainda de ter alcançado o cume da consciência absoluta. Todo ser humano é capaz de ascender a uma consciência mais ampla, razão pela qual podemos supor que os processos inconscientes, sempre e em toda parte, levam à consciência conteúdos que, uma vez reconhecidos, ampliam o campo desta última. Sob este prisma, o inconsciente se afigura um campo de experiência de extensão indeterminada. Se ele fosse apenas reativo frente à consciência, poderíamos perfeitamente considerá-lo como um mundo-especular do psiquismo. Neste caso, a fonte essencial de todos os conteúdos e atividades estaria na consciência; nada haveria no inconsciente além dos reflexos distorcidos de conteúdos conscientes. O processo criador encontrar-se-ia encerrado na consciência, e toda inovação seria sempre uma descoberta ou habilidade consciente. Os fatos empíricos não confirmam tal suposição. Todo homem criador sabe que o elemento involuntário é a qualidade essencial do pensamento criador. E porque o inconsciente não é apenas um espelhar reativo, mas atividade produtiva e autônoma, seu campo de experiência constitui uma realidade, um mundo próprio. Deste último podemos dizer que atua sobre nós do mesmo modo que atuamos sobre ele, ou seja, o mesmo que podemos dizer acerca do campo empírico do mundo exterior."